Se a criança não aprende a ter habilidade social no mundo real, como poderá ter no virtual?
Uma pesquisa apontou, em 2005, que as crianças brasileiras são as que mais assistiam à televisão. Será que a situação mudou de lá para cá? Ou nossas crianças continuam campeãs nessa modalidade?
Pode ser que tenham trocado a televisão pelo computador, porque uma pesquisa atual revelou que nossas crianças são as que acessam as redes sociais mais cedo. Ou será que somaram as horas em frente à TV com as horas diante do computador?
Muitas crianças, aos nove anos, já tinham telefone celular e o usavam com intimidade. Agora, com essa mesma idade, muitas já possuem vários outros aparelhos, com funções variadas. O tablet é apenas mais um deles que permite acesso à internet. Criar páginas e perfis em sites de relacionamento é uma entre as várias atividades que os mais novos podem realizar na internet. O curioso fica por conta de um detalhe: esses sites não são indicados para crianças. Pelo menos, não para as que têm menos de 13 anos.
Muitos insistem que nossas crianças se mostram cada vez mais precoces. Apostam que elas sabem o que querem, que usam todos os recursos da informática de forma até melhor que os próprios pais e outros adultos da família, que têm vida social intensa etc.
Por outro lado, com a violência urbana, as crianças têm sido cada vez mais tuteladas em sua relação com o mundo real.
Os pais temem que seus filhos transitem pelo mundo público desacompanhados. Desse modo, crianças e adolescentes vão de casa para a escola sempre levados pelos pais ou por seus substitutos, assim como para festas e outros locais que frequentam. Mas, nesses locais, ficam sozinhos ou com seus grupos.
É comum vermos grupos de crianças entre nove e 12 anos nos shoppings sem a companhia de adultos, não é?
O mais provável é que seus pais as levem até lá e marquem uma hora para buscá-las depois que a programação planejada terminar.
Mas, nesse intervalo de tempo, as crianças ficam sozinhas. Como o local é fechado, os pais consideram a situação segura.
Da mesma maneira, consideram segura a relação dos filhos com a internet.
Mesmo com todos os alertas que têm sido dados, o mundo virtual parece bem menos ameaçador do que o real, para os pais.
Agora, vamos juntar algumas informações que temos.
Escolas têm tido dificuldade para contribuir positivamente com a socialização de seus alunos no espaço público. A explosão de pequenas violências entre eles no espaço escolar -fenômeno que tem sido chamado de bullying indiscriminadamente- é uma prova disso.
Quanto aos pais, esses socializam seus filhos para o convívio no espaço privado, que é marcado pela afetividade. E, nas cidades, não há outro espaço além da escola que tenha a função de contribuir de maneira educativa com o processo de socialização dos mais novos.
Isso significa que eles têm crescido sem aprender, no conceito e na experiência, a conviver respeitosamente com o outro com quem não tenha vínculos afetivos.
E tem mais: também não aprendem a proteger a sua intimidade e a sua privacidade. Aliás, talvez nem aprendam o sentido disso.
E, quem não aprende a ter habilidade social no mundo real, como poderá ter habilidade no mundo virtual?
Precisamos pensar nisso antes de considerar os inúmeros e reais benefícios que as crianças podem colher no mundo da internet.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha).
Uma contribuição do Serviço de Orientação Educacional