Entrou em vigor ontem a lei que institui a política de conscientização, prevenção e combate ao bullying em escolas públicas e particulares do Distrito Federal. Agora, as escolas terão de desenvolver ações para impedir humilhações, formar grupos de segurança escolar com a participação de pais e alunos, além de registrar formalmente os casos ocorridos na instituição. A legislação não prevê punições aos centros de ensino ou aos responsáveis pela prática danosa.
A Lei Distrital nº 4.837, de autoria dos deputados Cristiano Araújo (PTB) e Agaciel Maia (PTC), foi sancionada pelo governador, Agnelo Queiroz (PT), e publicada ontem no Diário Oficial do DF. Na prática, ela embasa a postura de muitas escolas na busca pela integridade física e emocional dos alunos, mas também reforça a necessidade de adequação daquelas instituições que ainda não adotaram medidas eficazes para garantir a paz dos estudantes.
Apesar de não estabelecer sanções, a legislação orienta que casos de provocações pode ser levados à direção da escola, à Secretaria de Educação, ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público e até à Polícia Civil, se o assédio partir para itens tipificados como crime ou por atos infracionais dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para o presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do DF (Aspa), Luiz Claudio Megiorin, a lei é positiva na busca de resguardar crianças e adolescentes. "Qualquer coisa que venha no sentido de proteger os indivíduos é positiva. Temos de entender que estamos formando cidadãos. Alguns efeitos dessas provocações são irreversíveis", avalia.
Sanções eficazes
No entanto,Megiorin acredita que a lei poderia trazer sanções eficazes para as escolas que não cumprissem seus preceitos. “Já é entendido que as escolas são as responsáveis por proteger a integridade física e moral das crianças na ausência dos pais”, comenta.
A presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do DF (Sinep/DF), Fátima De Mello Branco, diz que a lei já faz parte da rotina de escolas privadas filiadas, que há oito anos promovem ações para capacitar os profissionais nesse sentido.
Porém, Fátima toca em um ponto essencial, também exposto na lei, que é a necessidade de o poder público adotar ações para esclarecer a comunidade em geral sobre o que é o bullying. “Caso contrário, qualquer comportamento levará as pessoas a acharem que se trata de bullying e não é bem assim. Existe definição técnica e características próprias que precisam ser avaliadas.”
Condenação
Em abril de 2011, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou um colégio a pagar R$ 35 mil de indenização para a família de uma ex-aluna que foi vítima de bullying pelos colegas. Segundo os pais, desde 2003 a filha sofria agressões físicas e verbais por parte de colegas da escola. A menina, à época com 7 anos, chegou a ser espetada na cabeça por um lápis, xingada, arrastada e arranhada, além de levar socos, chutes e gritos no ouvido.
“A comunidade escolar não pode camuflar esses conflitos, mas aprender a lidar com eles"
Vânia Costa; assessora especial de Segurança nas Escolas da Secretaria de Educação
Políticas efetivas
Apesar da boa intenção, há quem diga que a nova norma deixa lacunas que podem tornar a lei inócua. O diretor jurídico do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), Washington Dourado explica que o mecanismo que a escola tem para combater o bullying é o orientador educacional. “Existe um profissional para cuidar de até 2 mil alunos.
Sempre lutamos para aumentar o quadro e incluir a presença de um psicólogo mas nunca fomos atendidos”, destaca. Para ele, se a lei não vier acompanhada de políticas efetivas para reforço do quadro de profissionais, treinamento dos professores para lidar com o problema e o funcionamento de fato da rede de proteção social —conselhos tutelares, delegacias da criança, vara da infância —, a legislação será ineficaz. “Hoje, as escolas atuam sozinhas.
O professor se depara com o problema e não sabe para quem pedir ajuda”, frisa. A assessora especial de Segurança nas Escolas da Secretaria de Educação,Vânia Costa, afirma que são desenvolvidos programas de contenção de comportamentos abusivos entre alunos. “Com o projeto Estudar em Paz, estamos capacitando nossos professores para mediar conflitos dentro da escola. Assim eles também poderão repassar esses conhecimentos”, pondera.
Para ela, a principal dificuldade é fazer com que os casos sejam reportados. “A comunidade escolar não pode camuflar esses conflitos, mas aprender a lidar com eles”, aponta. Em algumas escolas, já foram criados os Conselhos de Segurança Escolar, um dos dispositivos previstos em lei, que contam com a participação do corpo da escola, pais e alunos para debater como prevenir não apenas o bullying, como outras formas de violência.
Conviver em paz é um desafio para cerca de 800 mil estudantes da capital. De acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada em 2010, o DF é campeão nacional de vítimas de bullying; 35,6% dos 2.970 adolescentes ouvidos disseram já ter sido alvo de humilhações na escola.
Fique alerta
O que é
Considera-se bullying a violência física ou psicológica , praticada intencionalmente e de maneira continuada, de índole cruel e de cunho intimidador e vexatório, por um ou mais alunos, contra um ou mais colegas em situação de fragilidade, com o objetivo deliberado de agredir, intimidar, humilhar, causar sofrimento e dano físico ou moral à vítima.
As práticas
São várias as formas de bullying:
Agredir física ou psicologicamente, de maneira reiterada, aluno em situação de hipossuficiência em relação ao agressor;
Fazer comentário ofensivo à honra e à reputação de aluno ou propalá-lo, inclusive pela internet e por meio de mídias sociais, de maneira a potencializar o dano causado ao estudante ofendido;
Usar expressões ofensivas e preconceituosas que revelem intolerância racial, religiosa, sexual, política, cultura e socioeconômica no trato com outros estudantes;
Praticar, induzir ou incitar o preconceito ou adotar atitudes tendentes a promover o isolamento social do aluno;
Perseguir, dominar, tiranizar, incomodar, manipular, agredir, ferir e quebrar pertences de estudantes;
Danificar, furtar ou roubar bens de alunos;
Usar a internet para incitar a prática de atos de violência física ou psicológica contra alunos.
A quem denunciar
Em caso de ocorrência de qualquer situação descrita na lei, os pais ou responsáveis podem denunciar o caso aos seguintes órgãos, como a direção da escola — pública ou privada onde vítima e autores estão matriculados —, a Secretaria de Educação, o Conselho Tutelar, o Ministério Público e Polícia Civil — nos casos em que os atos são tipificados como crime pela legislação penal ou ato infracional.
As obrigações
As escolas devem instaurar, imediatamente, procedimento administrativo para apuração dos fatos e das circunstâncias denunciadas. A apuração e as providências cabíveis devem ser concluídas em 20 dias (corridos), no máximo. Isso não impede que a instituição adote medidas administrativas, pedagógicas e disciplinares, imediatas e urgentes, a fim de resguardar a vítima.
O poder público é obrigado a desenvolver ações para reduzir a prática de violência nos estabelecimentos de ensino e promover a melhora do desempenho escolar. Entre elas, tornar público o debate sobre as causas e consequências do bullying; fazer pesquisas para identificar os fatores que estimulam a prática; capacitar os profissionais da educação pública para identificar o bullying nas escolas com vistas à implantação de ações preventivas e repressivas; exigir das escolas particulares a realização de programas de prevenção; atender e orientar os envolvidos, seus pais e responsáveis legais conscientizando e orientando sobre as sanções administrativas e disciplinares; criar registro próprio dos casos de bullying em cada unidade de ensino; organizar em cada escola, conselhos de segurança escolar ou grupos equivalentes para conscientizar a comunidade.
Palavra de especialista
Prevenção é Mais importante
A lei parece muito abrangente. É uma primeira medida,mas sozinha não vai fazer milagres. É preciso operacionalizar formas para que, de fato, ocorra a prevenção do bullying. Isso é o mais importante. E nesse aspecto, precisamos educar o educador. As pessoas precisam estar dispostas a trabalhar sempre com a ideia de conciliação, de resolução pacífica de conflitos.
Se ao chamar as famílias, os profissionais da escola não estiverem imbuídos e bastante conscientes do seu papel,chamam o pai da vítima e do agressor e inicia-se uma troca de acusações. A escola acusa o pai de não educar bem o filho;o pai acusa a escola de não por limites e o problema continua. Para enfrentar o bullying, a diferença está em como você lida com a questão.
É preciso envolver a todos, mas sem acusações porque isso não faz sentido. Temos que ter pessoas orientadas e com competência para resolver os conflitos. A prática deve ser punida e isso deve ocorrer de forma agil.Mas deve ser, principalmente, evitada promovendo o nível de convivência pacífico, que leve em conta a tolerância e o respeito ao próximo.
Angela Branco - psicóloga e professora da Universidade de Brasília
INICIATIVAS ISOLADAS
O Brasil não tem uma lei federal que discipline a responsabilidade das escolas em prevenir e combater o bulliyng. Enquanto não há normas válidas em todo o território nacional, muitos estados tomaram iniciativas de legislar sobre o tema antes do Distrito Federal. No ano passado, o Senado aprovou a inclusão do combate às práticas sistemáticas de provocação e humilhação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O projeto é do senador Gim Argello (PTB-DF). Para ser oficializada, ela precisa da aprovação da Câmara dos Deputados.
A lei antibullying sancionada em Santa Catarina há três anos obriga os centros de ensino a criar uma equipe multidisciplinar, incluindo pais e alunos, para desenvolver ações contra as humilhações entre estudantes. Em São Paulo, a norma também entrou em vigor em 2009. Pela regra paulista, as escolas públicas devem incluír em suas propostas pedagógicas medidas para impedir atos de bullying, além de capacitar professores e orientar as vítimas.
No Rio Grande do Sul,o tema só entrou na legislação estadual em 2010. Assim como em outros estados, a lei prevê políticas públicas contra o bullying nas escolas estaduais e privadas, mas não falaem punições aos estudantes, apenas ações educacionais. Em novembro do ano passado, foi a vez do Rio de Janeiro fazer valer regras sobre o assunto. A Assembleia Legislativa fluminense chegou a aprovar uma lei punindo escolas que não denunciarem alunos e funcionários praticantes do bullying.
Já em Minas Gerais, a iniciativa é municipal e está restrita à capital, Belo Horizonte. A Câmara Municipal aprovou no ano passado dois projetos de lei que pretendem impedir a realização de trotes violentos em universidades e bullying.
Fonte: Correio Braziliense