Daniel, de 14 anos, sempre foi incentivado pelos pais a se dedicar aos estudos: o novo desafio é participar de uma competição matemática
Segundo especialistas, os pais devem ensinar os filhos a serem determinados desde pequenos. Dessa forma, eles não temem os desafios da fase escolar nem titubeiam diante das dificuldades da vida adulta
“A persistência é o caminho do êxito.” A frase, dita por Charles Chaplin, parece resumir o sucesso do ator que se tornou uma referência do cinema mudo. Para pesquisadores da Universidade Brigham Young (EUA), no entanto, o trabalho árduo começa ainda na infância, dentro de casa. Ao acompanhar 325 famílias com crianças e adolescentes, eles chegaram à conclusão de que os filhos aprendem a ser persistentes com os pais.
A característica foi analisada como mediadora entre a autoridade dos pais, o engajamento escolar, o comportamento pró-social e a delinquência. Os três últimos fatores eram relacionados à prole. Das famílias analisadas — com pelo menos um filho com idade entre 11 e 14 anos —, 52% dos pais tinham um nível acima da média de autoridade parental. Os meninos e as meninas, por tabela, eram consideravelmente mais propensos a desenvolver a persistência, o que leva, entre outros benefícios, a melhores resultados na escola.
“Persistência é uma habilidade para continuar a insistir em um objetivo, mesmo quando há resistência, dificuldade e o caminho não é prazeroso. Devemos notar que é possível persistir em coisas negativas também, como o abuso de álcool. Mas a ideia apresentada pela pesquisa gira em torno de objetivos positivos”, explica Laura Padilla-Walker, principal autora do artigo.
A postura em relação aos fracassos é uma delas. Seja em que cenário for. O professor André Boechat foi uma das figuras mais importantes para incentivar a filha Mariana, de 15 anos, a procurar um esporte e não desistir diante das adversidades: “Eu dizia para ela que era importante praticar alguma coisa. Diante dos primeiros desafios em determinada modalidade, eu não deixava que ela trocasse na primeira oportunidade. Pelo contrário, explicava sobre os desafios de aprender algo novo e de gostar da atividade. Sempre afirmava que ela tinha que ter dedicação, disciplina e determinação. Sãs as três coisas básicas que eu ensinei”.
Boechat afirma que a persistência influenciou nos estudos da filha, que pratica aikidô: “Neste ano, ela pediu para estudar em um colégio muito mais difícil. Se não tivesse vivenciado esse ambiente de atividades físicas, ela não encararia esses desafios”, acredita. “Eu achava que precisava me esforçar mais nos estudos para passar no vestibular. Mesmo sabendo dos desafios, eu e meu pai conversamos, e eu tracei esse objetivo”, completa Mariana.
Na pesquisa feita por Padilla-Walker, a influência dos pais no quesito persistência foi mais acentuada que a das mães. “Ele é importante mesmo quando considerado ou controlado por elas”, explica a cientista, que arrisca uma explicação para o fato. “O meu palpite é que as mães são tão capazes de ensinar isso como os pais, mas, quando os dois estão trabalhando juntos, os pais se sobressaem como mais importantes. É possível também que os pais estejam mais relacionados à persistência, enquanto as mães ensinem coisas como esperança, bondade e gratidão”, diz.
Palestrante motivacional, Alessandro Baitello concorda com a força do exemplo paterno, mas ressalta que, nas atuais composições familiares, o papel feminino tem cada vez mais sido vinculado à força e ao exemplo. “Em todas as áreas da vida, não podemos generalizar. Tive e tenho contato com muitas mães que desempenham papéis importantes na família. Trabalham e, com a renda conquistada, conseguem arcar com todas as despesas da casa. Esse tipo de mãe acaba dando o exemplo e fazendo a parte do pai, ou seja, nesse caso, o exemplo da persistência ficou por conta da mulher, e o homem cumpre outra função. Em muitos casos, apenas de genitor.”
André estimula a filha Mariana a praticar esportes: ambos lutam aikidô
Tendência
Autor do livro Vencer é ser você e gestor de pessoas há 21 anos, Eduardo Ferraz destaca que metade da formação da personalidade de uma pessoa é genética. “Os comportamentos são divididos em genéticos e ambientais. Quanto à persistência, é um fator genético. A figura do pai é essencial para que o filho construa uma maneira de lidar com os problemas e desafios.”
No caso da família de Daniel Souza, de 14 anos, a instigação é matemática. O estudante do Colégio Militar de Brasília se esforça, com o incentivo dos pais, para conseguir uma boa colocação na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. “Com o passar do tempo, vai aumentando o grau de dificuldade das provas e subindo o nível da competição. Comecei a cobrar o empenho dele para estudar em casa. Nós notamos, de um ano para cá, uma diferença no comportamento dele. Daniel está muito mais dedicado”, comemora o bancário Vaine José de Souza, 52 anos, pai do garoto.
Os efeitos do trabalha árduo e em conjunto, segundo Eduardo Ferraz, evitam que a tão falada experimentação ligada à juventude passe dos limites. “Nessa idade, é comum empurrar as coisas. Mas, se eles tiverem pais e mães persistentes, não vão desistir fácil e vão até o fim. Quanto mais cedo eles aprenderem isso em casa, mais fácil enfrentarão os problemas da vida adulta”, avalia.
Baitello diz ter sentido falta de exemplos do tipo quando começou a ter mais claros os seus planos de vida. “Nasci em uma família de classe média em que meus pais nunca foram lá muito persistentes. Em alguns momentos, até pessimistas. Por conta própria, tive de aprender que, se eu quisesse ter sucesso, teria que persistir. Obviamente, foi um caminho mais difícil porque, mesmo com toda a minha vontade de vencer, alguns ‘fantasmas’ de minhas crenças adquiridas na infância me perseguiram durante muito tempo. É como uma nova vida, uma grande adaptação.”
Questionário
Os participantes da pesquisa responderam a questões relacionadas à regularidade com que adotavam determinados comportamentos. Entre elas, perguntas como “eu enfatizo as razões das minhas regras?” e “eu considero os desejos do meu filho antes de pedir a ele para fazer alguma coisa?”. Todas as questões estavam relacionadas a níveis de autoridade. Ou seja, quanto mais os pais se identificavam com as questões, mais eles eram considerados a autoridade da família. O comportamento dos filhos também foi mensurado em questões do tipo “sua criança consegue finalizar projetos e traçar um objetivo e completá-lo?”.
Habilidade e insistência
De acordo com o estudo conduzido por Laura Padilla-Walker , a definição de persistência engloba dois elementos. O primeiro está relacionado à habilidade de persistir e de continuar focado em um objetivo quando a motivação está centrada no próprio indivíduo em vez de elementos externos. Nesse caso, ser persistente está ligado a um processo psicológico. “O homem aprende a persistir, como aprende a falar outra língua. Quando ele é instruído cedo, nunca mais esquece”, resume Eduardo Ferraz, consultor em gestão de pessoas e autor do livro Vencer é ser você.
O segundo elemento é focado nas barreiras e no desconforto. Esse comportamento é designado para chegar a determinado propósito, mas só pode ser qualificado como persistência quando a pessoa insiste em agir apesar dos atrasos e dos obstáculos. Em outras palavras, o fato de alguém participar várias vezes de alguma coisa prazerosa por um período longo de tempo não a qualifica necessariamente como alguém persistente. A habilidade de superar problemas é essencial para descrever um indivíduo persistente. “Nós nos focamos na maioria das vezes em coisas como a inteligência genética, mas eu acho relevante lembrar que o velho e bom ditado ‘persista nisso’ é igualmente importante”, diz Padilla-Walker.
“O homem aprende a persistir, como aprende a falar outra língua. Quando ele é instruído cedo, nunca mais esquece”
Eduardo Ferraz, consultor em gestão de pessoas
Palavra de especialista
Lições em tarefas simples
“É de suma importância que, na infância e na adolescência, já nos sejam apresentados conceitos como persistência e força de vontade. E eles podem ser passados aos filhos por meio de tarefas simples do dia a dia. No meu caso, ensinei meu filho a conquistar o que queria. Se ele desejava um brinquedo mais caro, juntava jornais na vizinhança e os de casa, eu o ajudava a colocar no carro e os vendíamos para o verdureiro do bairro. Ele juntava o seu dinheiro aos poucos e saboreava a vitória de ter conseguido comprar o brinquedo desejado com o próprio esforço. Ele aprendeu que a vida não é fácil para ninguém, que a única coisa que cai do céu de graça é a chuva. O resto é pura conquista.”
Rita Alonso, professora universitária e palestrante comportamental e motivacional
Os três passos
A pesquisadora Laura
Padilla-Walker indica as principais atitudes para que, de uma forma não autoritária, os pais ensinem os filhos a serem persistentes. Veja quais são:
» Faça com que o seu filho se sinta acolhido e amado
» Enfatize as razões pelas quais existem algumas regras
» Faça com que seu filho tome decisões e adquira um certo nível de autonomia
Fonte: Correio Web
http://www2.correioweb.com.br/euestudante//noticias.php?id=31043