É chegado o momento de tratar dos hifens na nova ortografia. O tema, por si só, já deixa muita gente de cabelo em pé. Um dos motivos disso, cá entre nós, é que o sistema antigo também não era dominado com tanta segurança por boa parte dos usuários da língua. Com reforma ou sem reforma, é difícil encontrar quem conheça bem o assunto, excetuando-se, é claro, os profissionais da área.
Dito isso, uma boa notícia: o sistema de hifenização dos prefixos ficou, sim, mais simples do que era. Para começar, no sistema antigo, era preciso distinguir os prefixos propriamente ditos dos elementos de composição ou falsos prefixos (radicais de origem grega e/ou latina que se antepõem aos termos).
“Hidro-”, do grego, não é um prefixo propriamente dito, mas um radical que significa “água” ou “líquido”, enquanto “pre-” é um prefixo, um morfema não autônomo capaz de exprimir noções como anterioridade, antecipação etc. Antes era preciso distinguir um de outro para aplicar as regras de hifenização. Hoje isso não é mais necessário. A regra uniformiza todos os elementos antepositivos, tomando como base o que se fazia com os radicais. Daí terem surgido agora muitas palavras com “rr” e “ss”.
Muito bem. Tratemos por ora dos prefixos (todos, verdadeiros e falsos) terminados em vogal. Note bem: terminados em vogal. Se a sua vogal final for idêntica à vogal inicial do termo subsequente, haverá hífen. Assim: extra-abdominal, entre-eixo, micro-ondas etc.
Se o prefixo anteceder um termo iniciado por “h”, também haverá hífen. Assim: micro-habitat, mini-hospital, sobre-humano etc. Nas demais situações, o prefixo ficará justaposto ao termo subsequente. Assim: antialérgico, extraordinário, infraestrutura, ultravioleta, infravermelho etc.
Quando a palavra subsequente ao prefixo se iniciar por “r” ou por “s”, haverá duplicação da referida consoante. Como todos sabem, o “s” intervocálico tem som de “z” (asa, casa, mesa etc.), portanto, se escrevêssemos “antisocial”, com um “s” só, teríamos o som de “antizocial”. Para preservar a pronúncia, temos de duplicar o “s”. Assim: antissocial, autossuficiente, minissaia, ultrassom etc. O mesmo raciocínio vale para a letra “r”. Basta lembrar a distinção de pronúncia entre “caro” e “carro”. Teremos, portanto, grafias como estas: autorreferência, autorretrato, antirracista, extrarregulamentar etc. Observe que os “ss” e “rr” só aparecem entre duas vogais.
Essa é a regra básica de hifenização dos prefixos. Em resumo: separar por hífen as letras iguais, separar por hífen o h e dobrar “ss” e “rr” entre duas vogais.
Se você entendeu, responda rápido: carboidrato ou carbo-hidrato? O novo figurino manda hifenizar, certo? Certíssimo. “Carbo-” é um daqueles elementos de composição que sempre ficaram colados no termo seguinte. Segundo o sistema antigo, o “h”, por ser letra muda, desaparecia, daí a forma consagrada “carboidrato” que todos conhecemos. O sistema novo, porém, valoriza o “h” do radical. “Carboidrato” é uma palavra muito usada – para além dos estudos de química, o carboidrato é tema frequentíssimo em reportagens sobre boa forma, dietas etc. Será que isso faz diferença?
Sim, mais do que possa parecer. A ABL (Academia Brasileira de Letras) não bateu o martelo sobre essa questão. Entendeu manter as duas grafias como oficialmente corretas. Muitos leitores hão de ficar irritados (com razão!), mas o fato é que fazer voltar uma letra que tinha sido suprimida é mais difícil do que suprimir uma letra ou um sinal gráfico qualquer. Muitos falantes não percebem mais o radical “hidro-” numa palavra como “carboidrato”. Na prática, temos duas grafias para a mesma palavra, ambas oficialmente corretas: carboidrato e carbo-hidrato.
Esse não é o único caso de dupla grafia. Vamos mostrar outros conforme avançarmos no estudo do hífen. Por ora, vale compreender a regra-mãe.
Fonte: Folha de São Paulo